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Reflexões Sobre A Relação Conjugal Na Pós Modernidade E As Repercussões Na Prática Da Terapia De Casal E Familia

Dra. Rita Flórido

"As peças de um celular, como as de qualquer aparelho eletrônico, têm um tempo limitado de vida – não estranhe, portanto, se um dia seu smartphone parar de funcionar. Encontrar quem o conserte por um preço razoável não é fácil. Se você estragou seu telefone, a garantia já venceu e, pelo que estão pedindo para arrumá-lo, valeria mais a pena comprar um novo.” - Revista Veja 12 de set de 2012.

Será que isso está acontecendo também em nossos relacionamentos?

Nessa cultura que apela para a superficialidade nos mais diversos níveis, que não suporta investimentos a longo prazo e onde se estimula o consumo e o descarte, também aí estaria inserido o amor e as relações conjugais?

O sexo, foi isolado de outras formas e aspectos do relacionamento, passa a cultivar o “acumulador de sensações” e “consumidor de impressões” (Bauman), no reino da coleção de experiências cujo critério é a adequação individual e aptidão corporal desprovido dos direitos adquiridos, laços protegidos e deveres assumidos. O sexo saiu da casa familiar para a rua, onde apenas os transeuntes acidentais encontram quem – enquanto encontram – sabe que mais cedo ou mais tarde (antes mais cedo do que mais tarde) seus caminhos são obrigados a se separar novamente. Sites de relacionamento? Milhões de pessoas online, em prateleiras para serem escolhidas e logo depois descartadas...

Os indivíduos são socialmente empenhados em primeiro lugar, como consumidores e não produtores. Nesse contexto, o “até que a morte os separe” perde sua utilidade, tornando-se até “disfuncional”. O espectro do sexo, agora, assombra os escritórios das empresas e as salas dos grupos de estudo dos colégios. Um professor precisa manter aberta a porta de seu escritório sempre que garotas estudantes venham consultá-lo. Logo percebe que tem que o fazer também com os rapazes para evitar acusações de assédio sexual.

O resultado total é o rápido definhamento das relações humanas, despindo-as de intimidade e esmorecimento do desejo de entrar nelas e/ou conservá-las vivas. Primeiro, o amor erótico foi reduzido a sexo; depois em nome da purificação das intenções sexuais impuras, a parceria é “purificada” do amor.

- Pós-modernidade:

Em 1930 foi publicado em Viena o livro de Freud, conhecido em português como “O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO”, um desafio provocador ao folclore da (então) modernidade que penetrou em nossa consciência coletiva e, modelou o nosso pensamento a propósito das consequências da aventura moderna. Sabemos, agora, que era a história da modernidade que o livro contava. Modernidade é mais ou menos beleza (essa coisa inútil que esperamos ser valorizada pela civilização), limpeza (a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização) e ordem (“Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita”), ordem esta que contrapõe id e superego.

A civilização/ modernidade, como diz Freud, “impõe grandes sacrifícios” à sexualidade e agressividade do homem. A sociedade é prioridade, acima do individual. A civilização é contrária aos instintos.

Freud falou em termos de “compulsão”, “regulação”, “supressão” ou “renúncia forçada”. Esses os mal-estares que eram a marca registrada da modernidade resultaram do “excesso de ordem” e sua inseparável companheira – a escassez da liberdade.

Agora é a hora de desfazer as regulamentações! O princípio de realidade, hoje, tem que se defender no tribunal de justiça onde o juiz é o princípio do prazer.

Hoje, a liberdade individual reina soberana. É o valor pelo qual todos os outros valores vieram a ser avaliados acerca de todas as normas e resoluções individuais devem ser medidas. Na pós-modernidade, a liberdade individual, outrora uma responsabilidade e um problema para todos os edificadores da ordem, tornou-se o maior dos predicados e recursos na perpétua autocriação do universo humano. Os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. É a vez de a segurança ser sacrificada em nome da liberdade individual. Se obscuros e monótonos dias assombravam a segurança, noites insones são a desgraça dos livres.

O que chamamos felicidade vem da satisfação de necessidades represadas até um alto grau e, por sua natureza, só é possível como fenômeno episódico. A reavaliação de todos os valores é um momento feliz, estimulante, mas os valores reavaliados não garantem um estado de satisfação.

– Relações Conjugais

Como as Relações Conjugais encontram-se hoje? Reinam as Relações Descartáveis!

Vamos tentar refletir sobre dois opostos: a facilidade em se desvencilhar de possíveis laços amorosos x a total impossibilidade de não tê-los.

A clínica de observação de bebês demonstra a falta de delimitação entre o Eu o o Outro. Nesse clima fusional que o bebê vai, aos poucos, se diferenciando. É através da ausência do outro é que anseia por reaver o prazer e a segurança que o outro pode oferecer a ele. A percepção do outro se dá num contexto que alterna presença e ausência. A ausência desse outro equivale a uma sentença de morte! E, por sua vez, a presença do outro confiança e bem-estar.

O desejo pelo outro se estabelece, pela presença, pelo cuidado, pelo amor. Surge aí o desejo de ser desejado. E isso permanece vivo dentro de cada ser humano, para todo o sempre. Surge um Eu, único, valioso e digno – capaz de amar e de ser amado. Isso leva o adulto a se aproximar de pessoas que lhe permitam viver (ou reviver) relações de confiança e mutuamente prazerosas.

Quando as vivencias mais precoces foram marcadas por excessos de frustrações, por enganos e mentiras, as relações quando adultos tendem a repetir o modelo levando a conflitos estéreis, perdas constantes e insucessos amorosos.

Narcisismo

O mito grego nos relata o triste fim de Narciso, ao sucumbir nas águas do lago onde inclinava-se para apreciar sua deslumbrante beleza. Narciso não tem olhos e nem ouvidos para ninguém. Ao seu lado, oculta entre as sombras está Ninfa Eco, por ele apaixonada. Sua voz ecoa incapaz de ter um retorno verdadeiro. Narciso e Eco tornam-se os representantes da tragédia humana, quando “eu” e “tu” mostram-se impossibilitados de construir o vínculo do amor. Independente se quem é Narciso e Eco.

Na relação a dois, o “outro” é considerado como alguém que não é simplesmente a extensão do “eu”. Mas, são nessas relações que mais vemos em ação os mecanismos de defesa: projeção e identificação projetiva.

Projeção é, como dizia Pearls, “quando julgamos estar diante de uma vidraça e estamos diante de um espelho”. A identificação projetiva implica um “reconhecimento”, ou uma “identificação”, do parceiro ideal para se encaixar em anseios e projeções pessoais a ponto de impedir o reconhecimento do outro como alguém que não é mera extensão de si mesmo, com identidade própria, particularidades, direitos e deveres.

Aceitar o fato do “outro” não fazer parte do meu “eu” é aceitar esta representação concretamente e deixar isso repercutir em seus sentimentos e ações. Há quem não suporte a ideia de não reencontrar no presente o que anseia desde os seus primeiros anos de vida: ou a relação é mágica e plena como na fase simbiótica ou repete-se a des-ilusão, a dor, a raiva e a indignação. Visto isso, descartar fica fácil e pode parecer a melhor, se não a única, saída possível.

Como resultado disso, surge uma certa indiferença, levando a relacionamentos cada vez mais superficiais e efêmeros; ou a uma eterna busca do amor romântico que, necessariamente, encontra novas impossibilidades.

Os vínculos são essenciais, eles nos constituem e humanizam e numa relação saudável, ambos se reconhecem, se respeitam e se validam em suas individualidades. Será?

“Afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraía seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”” diz Zygmunt Bauman em seu livro intitulado Amor Líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, onde ele explora de forma genuína os relacionamentos modernos entre os seres humanos.

A forma das pessoas se relacionarem mudou? Mudou-se, em que mudou? Na sua forma ou na sua essência?

Temos observado pessoas se comprometendo cada vez menos com o sentimento que deixa ser gerado em si e estimula que seja gerado no outro e a velocidade com que relacionamentos começam e terminam, sem qualquer questionamento. Se essa busca infatigável fosse amor, a compulsão a experimentar não frustraria esse propósito? Adquirem-se habilidades, mas o seu efeito não seria exatamente um desaprendizado do amor? Uma incapacidade para amar?

Bauman nos recorda que, no Banquete de Platão, (texto conhecido dos estudiosos do amor) a profetiza Diotima de Mantineia ressaltou que “o amor não se dirige ao belo... dirige-se à geração em ao nascimento do belo”. Não é querendo coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas e como toda a criação vem carregada de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo.

Como podemos pensar nessa “criação” numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, a satisfação ou seu dinheiro de volta, resultados que não exijam esforços prolongados, garantias, seguro total? A parceria torna-se descartável, muitas vezes, usada uma só vez, sem preconceitos. Ao serem consideradas não plenamente satisfatórias, as “mercadorias” podem ser trocadas por outras.

No Congresso Latino-Americano de Psicanálise, cerca de dois mil psicanalistas se reuniram para debater o papel do analista na contemporaneidade: quando o antigo já não existe mais e o novo ainda não se estruturou.

Diz Nozek: “falta tempo para o ser humano olhar para a própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo. É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem, a do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal.... Estamos diante de um mundo novo. Que implica em novo corpo, sexualidade, ética e moralidade”.

O ser humano continuou igual, enquanto o mundo sofreu um avanço tecnológico imenso?

- O Pensar Sistêmico:

Todas as partes de um organismo formam um circuito. Portanto todas as partes são começo e fim.

O nosso direcionamento pessoal tem haver com nossas histórias familiares.

Sistema é uma estrutura hierarquicamente organizada, em interação entre as partes e com o meio buscando o equilíbrio dinâmico.
Um sistema é, então, composto de elementos. Mas isso não quer dizer que ele é a soma dos elementos. Ele é um todo não redutível a suas partes. O todo é mais do que forma global, ele tem qualidades emergentes que as partes não possuíam.
As propriedades do sistema são mais e/ou diferentes da soma das propriedades das partes. O Todo é mais do que a soma das Partes.
Qualquer sistema é parte de um supra-sistema ou macrosistema, que por si mesmo mostra todas as qualidades de um sistema. Supra-sistemas são também partes de um sistema de nível mais alto - "Supra-suprasistema", e assim ao infinito.
Este processo contínuo de abrir e fechar, chamado regulação do limite, distingue os sistemas vivos dos sistemas não-vivos. Nos sistemas vivos, a função de abrir e fechar o limite é automaticamente controlada. Eles regulam entrada e saída para conservar estabilidade e para moverem-se na direção de uma organização mais complexas, para crescer, diferenciar funções e desenvolver subsistemas especializados.
Os processos de conservar estabilidade (morfostase) e os processos de diferenciar-se, crescer, mudar (morfogênese) ocorrem simultaneamente e continuamente em todo sistema vivo. A interação desses dois processos é um equilíbrio de fluxo.
O sistema está inserido num contexto, ou seja, nas circunstâncias específicas de Espaço e Tempo.
A Tendência Integrativa faz com que o sistema (que passa a ser subsistema) fique integrado no todo, fique dependente.
Pensar Sistemicamente é, pois, sair do reino das verdades estabelecidas, dos dogmas, para operar hipóteses, alternativas e aprendizagens novas.
É buscar ver uma mesma situação de vários pontos de vista, procurando entender a forma como o todo e as partes se relacionam numa interação reciprocamente reforçadora e mantenedora da situação. É ir discriminando entre as semelhanças e diferenças.
Pensar sistemicamente é ver a realidade de uma forma holística, circular. Isto traz formas diferentes de ver e lidar com a realidade no nível clínico.
- A Pós-modernidade e a Terapia De Casal e Família
 Em Terapia Familiar, comumente se considera a família nuclear como sinônimo de família, e o casal como coluna de sustentação da família.
“Grande parte da teoria clássica de terapia de familiar está baseada nesse pressuposto e deve ser repensada, na medida em que a família-protótipo dessa teoria representa uma proporção decrescente de “lares”, com aumento de famílias com um só progenitor, famílias binucleares e pessoas que moram sozinhas.” Kitty LaPerrière.
Continuidades históricas são rompidas, os casamentos  são rompidos, muitas crianças crescem com só um dos pais e com uma sucessão de padrastos e madrastas e sem acesso a avós ou outros parentes. A luta pelo poder, competição, definição pessoal ênfase na auto-realização substituíram os elementos de cooperação, cuidado e etc.A decisão de ficar juntos (não necessariamente casar) é feita com o objetivo de obter o máximo de prazer e de crescimento pessoal, prestando pouca atenção à reciprocidade das obrigações, em condições de impasses ou adversidade(desemprego, doença) na vida pessoal ou do parceiro. Isso está acontecendo nos sistemas macrossociais em que vivemos, as regras mudaram! A família como sistema especial, à qual não se pode deixar de pertencer, mudou e nós como terapeutas de famílias precisamos rever alguns pontos, por exemplo:

1) O Casal em formação

É o casal que vive junto mas não avançam nem se separam ou o casal que repetiu a história com vários parceiros ou trocou de parceiros num ponto de decisão crítico.
A função do terapeuta consiste em alivia-los e ajudá-los na escolha consciente e aceitação de ambos em: manter-se como estão,  separar-se ou casar-se

2) As dificuldades de viver como casal.

O casal aqui enfrenta problemas de insegurança relacionada à compreensão e representação dos papéis sexuais, com uma igualdade ideológica que distoa dos hábitos e expectativas do dia a dia.
A função do terapeuta consiste em ajudar o casal a formular suas opiniões e convicções e seu comportamento e reações emocionais, para identificar as contradições e os conflitos, e encontrar uma solução. Ajudá-los a entendem que é preciso renunciar a certas expectativas.

3) Ficar juntos ou separar-se

Com a facilidade de se requerer o divórcio e a ilusão de “sair” do casamento é a solução, muito casal tem optado por esta decisão.
O trabalho do terapeuta consiste em explorar as possibilidades alternativas dentro da estrutura do casamento, em desmistificar a ideia do casamento perfeito e da liberdade que se teria fora dele, em ajudar o casal a entender que a questão mais importante não é sair ou não do casamento e a não usarem a ameaça de ri embora como última cartada nas discussões.

4) O casal que precisa de ajuda para se separar

O medo e a dúvida de que vai conseguir sobreviver separado lev muitos casais a desenvolverem uma grande raiva e agressividade mútuas que levam à separação traumática para ambos e para os filhos. Muitas vezes ainda levam essa raiva para as novas relações.
A tarefa do terapeuta é ajudar a entender que a sobrevivência separados é possível e que uma relação parcial de amizade e carinho pode-se desenvolver. Que a separação não tem a função de destruir mas pode, talvez, ensina-los a se ajudarem mutuamente.


5) Novas relações – famílias binucleares

Ocorre muitas vezes a exigência de um ou os dois cônjuges de que a nova estrutura familiar possa funcionar como uma família nuclear original. Conflitos entre os vínculos pais e filhos e a nova pessoa são comuns.
O trabalho do terapeuta consiste em ajudar os vários membros da família a ver e entender que fazem parte de uma família nova e que os vínculos terão que se calmamente estruturados e reestruturados para que se possa estabelecer uma convivência saudável.

As alterações nas funções, papéis e objetivos pessoais que vemos na pós-modernidade vem interferindo nas relações, criando, inclusive, novas configurações familiares que só vem aumentando a cada dia. Repensar o papel do terapeuta familiar também é fundamental. Atualizar-se constantemente deve ser nossa meta maior nos dias atuais e repensar novas formas de atuação dentro e fora dos consultórios com artigos, palestras, livros e outros meios de comunicação no sentido de refletir sobre os problemas que enfrentamos na atualidade e como criar relações reais possíveis e funcionais.